Go

Sobre Go. Recebi o livro na biblioteca da escola onde trabalho à noite. Entre muitos autores conhecidos e lidos por mim, a obra completa de Vinícius, literatura italiana, russa, brasileira, Mia Couto e......Go. Abri o livro um pouco desconfiada, o enorme GO em vermelho me dizendo: Vá! Ande, abra o livro. E leio primeiro “Nego-me a aceitar o fim do homem. Eu acredito que o homem....” E penso na frase do Millôr que é a minha frase “O homem é um animal inviável” e em seguida leio “Se você for tentar, tente de verdade. Caso contrário, nem comece”. Gostei, mas vou para a primeira frase do livro que é aquela que chama para o livro todo, é o cutucão com a vara curta que todo leitor tem que sentir. “Preciso encontrar alguém que me leve de volta para a vida............Sabe, sou daqueles que nasceram com um buraco no peito”. Peraí. Este cara está falando de mim. Nasci com um buraco no peito. Ainda desconfiada, no final da noite de sexta coloco o livro debaixo do braço e vou pra casa. E começo a ler e à medida que leio encontro pensamentos e sensações que são minhas. Mas eu não tenho 25 anos. Por que o livro me toca? Por que as palavras, as sensações, os sentimentos parecem os meus? Como pode um rapaz de 25 sentir o que sente uma mulher de quase cinqüenta? Meu pai foi embora quando eu tinha onze, mas sei por que foi. Será que sei? Alguma vez perguntei a ele por que foi embora? E por que batia em mim, mesmo sem ter feito nada? Cresci meio largada, como crescem as magnólias do Machado, entre as ervas daninhas e as plantas oportunistas. E essa solidão que sinto? Escrever, criar, ver o mundo com outros olhos, com os meus olhos, com o meu único olhar. Ver de forma diferente, sentir de forma diferente. Para que estou aqui? Para que sirvo, por que é que estou aqui? Nossa, esse cara fala de filmes que vi e de filmes que quero ver. Eu não cheguei ao fim, resolvi escrever agora que estou na página 191. Sei que vou terminar de ler antes de dormir. Li o livro ontem e hoje, domingo. Sei que sou diferente das outras pessoas, sei que vejo o mundo de uma forma diferente, mas não quer dizer que seja melhor ou pior do que os outros, apenas vejo diferente. E sofro, sofro muito. Sinto saudades da minha mãe, que não liga pra mim.Literalmente. E penso em como posso sentir isso se já não sou uma menininha, parece até que nunca fui. Já sou mãe. Agora eu sou a mãe. Não posso chorar de saudades e da falta que a minha mãe me faz. Até pouco tempo odiava meu pai por ter me batido muito, me humilhado e por toda a falta que me fez a vida toda. Por tudo o que passei pela ausência dele. Mas também me dei conta de que o amor e o talento que tenho para a fotografia (já fiz algumas exposições), herdei dele. Ele era fotógrafo retratista. Pode isso? Ter herdado dele, algo que para mim é fundamental, visceral? Pois é, parece que pode. E o amor? Saí de casa aos dezenove anos para viver com um rapaz que precisava muito sair de casa, também. Éramos dois perdidos, dois desamados e juntamos esses desamores. Vivemos vinte e sete anos juntos e não deu mais, nos tornamos estranhos. E agora? Trabalho doze horas por dia e faço pós no final de semana. Penso, entre esse tempo todo ocupado, em fazer uma festa na minha casa pra juntar só gente parecida comigo, alguns que pensam, lêem, escrevem, sonham. Alguns inconformados. Por que estou escrevendo isso? Será influência do GO? Pode ser. Vou iniciar um sarau literário na escola onde trabalho para alunos e comunidade. (Já estava planejado antes de Go). Cada um fala sobre o livro que leu ou está lendo. Ou todos lêem o mesmo livro e comentamos. Vou falar sobre GO, um livro que fala sobre o que a gente sente. Até parece que foi escrito para mim ou que o Nick sabe de meus sentimentos. Ou será que meus sentimentos não são meus? Será que muitas pessoas pensam e sentem e sofrem como eu? E a solidão? Essa coisa que faz com a gente fale sozinho para poder ouvir uma voz. Poderia ligar a televisão, mas me recuso a assistir o domingão do Faustão. É o supra-sumo da solidão. Rimou. E as metáforas? Minha vida é um domingão do Faustão. Um saco. Minha vida é um saco sem fundo. Não sei o que farei com este texto, provavelmente, se fizer o que tenho vontade, enviarei para a editora. Mas não gostaria que todos lessem, gostaria que o autor do livro lesse. Pelo menos pra ele saber que sim, sabe escrever bem, sobre temas que são comuns às pessoas de todas as idades, que seu livro é bom, que gostei, que vou recomendar para os alunos, que vou falar dele no sarau. Agora vou voltar pra leitura, quero ver como vai terminar. Quem sabe assim também será o meu fim? Não desistir, fazer o que sei fazer de melhor, fotografar, quem sabe escrever, intervir no mundo, e não desistir. É isso? Ou não? Independentemente de como termina o livro, eu sei a resposta. Não posso desistir. Não posso. Não devo e não quero. E isso me lembra uma música Acontece, que diz mais ou menos assim “Eu devia fingir que te amo, mas não quero, não devo, não posso, isso não acontece”

Pronto. Li o final. O livro é, afinal, sobre a criação e escrita de um livro. Metalinguagem, se ainda lembro. Mas, mais do que isso é a linguagem clara e direta que o autor usou para conversar comigo durante a leitura. Confesso que parei algumas vezes e chorei. Descobrir o pai anos depois e simplesmente constatar que ele não é um super homem, mas apenas humano é surpreendente. Para mim é tarde pra isso. Meu pai morreu há muitos anos.

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