Tortura

Tortura.Essa é a palavra que sintetiza o processo de aquisição da "carteira de motorista". Quando tomei conhecimento de tudo o que viria pela frente, ou melhor, que eu pensava que viria,me assustei com algumas coisas. Hoje vejo que aquelas coisas eram nada perto do que viria.

"O exame de olhos"
Fiquei um pouco preocupada porque o médico examinador é o mesmo com quem consultei há meses e que receitou óculos para longe e para perto.Ou seja, não enxergo de perto, e menos ainda de longe. Mas uso óculos apenas para leitura, sou adepta da teoria que se olhos acostumarem com óculos, cada vez enxergarei menos ou não enxergarei sem eles. Mas....o médico, que deveria me conhecer e reconhecer, porque moramos na mesma cidade (bem pequena) e que já me atendeu várias vezes (ele é oto-rrino-laringo-logista), não só não me reconheceu como atestou que eu enxergo perfeitamente bem e não preciso de óculos. Então, passei na primeira fase.

"O exame psicotécnico"
Também estava preocupada com esse exame, pois não sabia do que se tratava. Como professora, aprendi que devemos sempre explicar aos alunos o processo do que vai acontecer,o objetivo, o como, a avaliação, etc,etc,etc. Fomos colocados numa sala e ficamos um tempo aguardando. Então, entrou uma mulher, que deve ser a psicóloga, distribuiu cadernos de exercícios e deu instruções. Iniciar o preenchimento quando ela mandasse e parar quando ela desse um sinal. Assim fiz. Os exercícios eram repetir risquinhos e eu o fiz da melhor maneira possível, todos quase iguaizinhos, com tranquilidade, com segurança de quem está acostumada a traçar risquinhos. Passei. Parabéns, ela disse, está aprovada. Na hora. Ah, passei, eu disse. Passei no psicotécnico! Hoje me pergunto se alguém reprova. Deve reprovar.

"O exame teórico"
O lugar onde tivemos as aulas teóricas é precário, como precárias são todas as instalações do CFC.Iniciei as aulas no verão, das 19h às 22h. As cadeiras duras, a sala pequena e apinhada de gente. O ar condicionado não dava conta de refrigerar o ambiente. No intervalo de 15 minutos íamos ao banheiro, à padaria ao lado ou tomar um café preto que a professora requentava para todos. O banheiro, com uma torneira sempre vazando, sem sabonete e sem toalha de papel. O vaso também, sempre vazando, não dava para sentar, tínhamos que fazer xixi de pé, ou melhor, semi agachadas, sem encostar as coxas na beirada do vaso. Os homens, como fazem xixi de pé normalmente, creio que não tiveram restrições ou problemas com o banheiro. A televisão onde foram passados os vídeos é mínima, pendurada no teto. A única coisa, e talvez a mais importante, que se salvou, foi a professora. Kelen, a professora, explica bem,muito bem. Noites e noites aprendemos sobre legislação, sinalização e fizemos simulações de exercícios. Eu prestei atenção, fiquei com dor no cóccix, de tanto ficar sentada, e aprendi. No dia da prova, lá estava eu, de caneta preta e lápis 2b, em punho. No dia do resultado soube que gabaritei a prova, ou seja, acertei as 30 questões.

"As aulas práticas"
Os carros do CFC são todos iguais, ou pelo menos tentam ser; são da mesma marca e sem direção hidráulica. Sem ar condicionado, sujos por dentro, cheios de pó, de terra mesmo. Fiz a quase totalidade de aulas práticas com o mesmo professor. No primeiro dia cheguei antes da hora; penso que devemos ser pontuais. Na primeira aula eu não sabia nem ligar o carro, quanto mais fazer as mudanças. Saí do zero. Não sabia fazer conversões à direita, esquerda, onde parar, como parar. Fui fazendo aulas e aprendendo. Fiz algumas aulas e fiquei quase um mês sem ter aulas porque não tinha mais horário na autoescola. Isso no verão. Quando retornei, à noite, quase já tinha esquecido o que tinha aprendido. A minha dificuldade maior era o morro. Como estacionar no morro e arrancar SEM QUE O CARRO VOLTE PARA TRÁS. E sem deixar apagar. O instrutor dizia: "quando o carro começar a tremer, é pra tirar o pé do freio e colocar no acelerador". Às vezes a embriagem tremia, o volante tremia, o carro todo tremia. Eu tirava o pé do freio e colocava no acelerador....e o carro morria. Hoje sei que preciso tirar o pé da embrigaem até sentir que o carro vai ficar parado. Isso significa "segurar o carro só na embriagem". E aí, acelerar tirando o pé devagar da embriagem. Com calma, com tranquilidadEe,sem tremedeira.

O instrutor
Fiz a quase totalidade de aulas práticas com o mesmo professor. No primeiro dia cheguei antes da hora; penso que devemos ser pontuais. O professor, nada. Demorou a chegar, aí preenchia os registros referentes às distâncias percorridas pelo carro.No decorrer dos dias descobri que ele nunca chegaria na hora, sempre passava uns 5 ou 10 minutos. E numa das vezes que saímos para o percurso na rua, mandou que eu estacionasse numa esquina para ele "pegar" limão num limoeiro que ficava na calçada de uma casa. Noutra vez, enquanto eu fazia baliza, ele foi fumar e conversar com o instrutor do carro de trás. Eu não queria falar, achava que isso me prejudicaria. Ledo engano. Em vinte aulas não aprendi a fazer a terceira marcha. Só descobri que precisaria fazer três vezes durante o percurso no dia da prova, ou reprovaria, porque uma moça (uma vítima) que fez prova no mesmo dia que eu, me contou. Peguei ogeriza pelo instrutor. Nas duas últimas aulas mudou o instrutor, e aí aprendi coisas que nunca havia aprendido, como fazer terceira marcha e alinhar no morro.


A prova prática ou a tortura final
O dia da prova prática é o ápice da tortura final. Ficamos todos no mesmo espaço,ou seja, na calçada, de pé, aguardando.Parece gado apavorado esperando o momento de ir para o matadouro. Passado do horário combinado vem um dos instrutores fazer a "chamada". E aí, aleatoriamente, vai chamando de dois em dois, ou três em três. Se o candidato volta em seguida, a pé, é porque rodou. Se o carro desaparece e volta uns quinze minutos depois, pode ter passado ou rodado. Sabemos pela imagem de profunda prostração, por aqueles que vão embora e não olham pra trás ou daqueles que abraçam o avaliador, e abrem a boca de orelha a orelha. Eu, depois de duas horas de pé e ouvindo as mulheres (principalmente) contando em minúcias quantas vezes reprovaram "ah, eu é a nona vez...mas não desisto", "ah, eu já vou fazer um ano que to fazendo a cartera...nunca saí da baliza" ou "eu nem tô, se não passar vou fazer de novo". E eu... fazendo a prova pela terceira vez, vou ficando apavorada. No dia anterior fiz baliza direitinho, perfeita. Não encostei atrás, nem na frente, nem dos lados. Encostei apenas os quatro pneus no chão, isso pode. Quando chega a minha vez, entro no carro, coloco o cinto, ajusto os espelhos....e de repente a boca fica seca, não engata a marcha...e ouço a voz da mulher que ouvi por último..."não seeeei o que me dá....eu seiiii dirigiiir...mas quando entro no carrro....dá um brannnco....não sei mais fazer naaaaada......a perna treeeme" Ai,meu Deus....a voz arrastada da mulher parece que entrou dentro de mim, o carro não anda...não consigo mais pensar, não acerto as marchas....fico em pânico, bato na baliza, derrubo tudo. O avaliador e meu instrutor,um solidário e o outro consternado, ficam me olhando penalizados. E eu digo para o meu instrutor "tu sabe que eu sei fazer baliza, diz pra ele que eu sei fazer...não sei o que me deu". Pronto, rodei de novo. Vou em direção à esquina, sem olhar pra trás. Fico puta da cara comigo mesma. Não sei o que me deu, emburreci. Rodei. Aiiiiiiiiiiiiiiiiii, que tortuuuuuuuuuuura!!!!

A separação de sílabas é uma licença poética!

Comentários

Anônimo disse…
Afinal, deu? Ou ainda não há final?

PS. o blog trocou de roupa? Recebeu uma crônica sobre o poeta dos poetas?
E o sumiço dos índios, vestes, danças?
Lyli disse…
Ainda há final...embora não seja como eu gostaria. O blog trocou de roupa, mas sou ortodoxa...em algumas coisas. E....o texto sobre os índios, vestes, danças...vou melhorar.

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