Um carocinho

Enquanto aguardava a vez na fila do pronto atendimento do hospital e que, afinal, o atendimento não é "de pronto", eu ouvi uma conversa entre um senhor e a atendente. Moça, quero uma consulta pra minha esposa. Ela está com um machucado,parece uma espinha. Não, não é uma espinha, mas está inflamado. É um caroço vermelho, um carocinho. E coça. Eu quero saber que médico vai atender. Não sei, senhor, depende. Depende de que? Minha mulher tem esse machucado e preciso que um médico olhe. Vamos aguardar, senhor. E ele, já perdendo a paciência e erguendo a voz, moça, minha mulher precisa de um médico desses que mexem com vagina, entende? Ah, sim, senhor, o médico é um clínico geral mas vou ver então um ginecologista. Moça, dá pra ser uma mulher?

Comentários

Clau disse…
Difícil? Não, muito difícil, mesmo. Me parece ser o primeiro conto da autora como homem (o narrador masculino). Leio, penso, releio, penso e...receio de escrever. O carocinho, ao que parece, não se localiza na vagina, como pode parecer. Mas, o que impede que seja?
E a partir daí, tudo se complica, com algumas interpretações. Inclusive. Porém, quero ler mais, pensar mais...
Clau disse…
A autora, ao utilizar os termos carocinho, que coça e vagina, leva o leitor desavisado a pensar no óbvio. Ou seja, toda mulher tem uma espécie de carocinho, na região vaginal e que, quando começa a coçar...bem, dizem que depois dos 7 anos de idade, esta coceira muda de nome. Evidente que não se trata de enfermidade, muito menos de algo que exija socorro médico e que, evidente, pode ser resolvido em âmbito doméstico. Mas, será o marido tão parvo, tão bronco que não sabe disto?
Analisemos, ainda que superficialmente, o nível dele. Perturbado pela demora, ela fala à enfermeira (mulher) que a mulher dele precisa de um médico de vagina. Dizer este termo, alto e bom-som, à uma enfermeira, em um Pronto-atendimento, revela um nível até que razoável. Vagina (assim como nádegas, pênis, ânus, etc.) é um termo mais que adequado para pronunciar-se em Pronto-socorro, clínicas médicas, hospitais e similares. Ele sabe que pode pronunciar sem cair no ridículo e até de falar para uma mulher (a enfermeira). Se ele fosse muito bronco, claro que sussurraria para algum enfermeiro que o caso requeria um "médico de mulher" e, provavelmente, constrangido e vermelho. Caso tivesse mais um pouco de cultura, certamente iria pedir um ginecologista. Isto posto, de forma alguma pode aceitar-se que não saberia que "aquele" carocinho intumescido e coçando significa apenas e tão somente vontade de.
Mas, existe possibilidade de outro tipo de caroço, na vagina ou proximidade? É mais que claro. Herpes genital, por exemplo, quisto sebáceo (lobinho), o gânglio da virilha que fica irritado por alguma inflamação ou infecção na genitália, uma pequenina formação tumoral benigna que exige uma cauterização e ainda, uma possível inflamação no carocinho propriamente dito, por excesso de fricção, causada por ele, por ela, pelos dois ou mesmo por vibradores e outros "brinquedinhos".
...continua...
Clau disse…
...continuação...

Bem, se ele possui algum nível, possui um preconceito inadmissível, ao solicitar que seja uma ginecologista-mulher que examine a sua mulher. Claro que ele tem ciência que o ginecologista-homem é um profissional, que nada vai fazer, ainda mais na presença dele. No entanto, raciocina o protagonista, antes de ser um médico e especialista, ele é um homem. Perante o qual sua mulher terá que desnudar-se, exibir-lhe as ditas partes pudendas, deixar que este homem examine todas as partes íntimas de sua mulher e, o mais grave, na sua presença. Ele sabe que muitos (ou alguns) homens gostam e até sentem prazer em ver sua mulher se exibindo e sendo tocada por outro (ou outros) homem, com a presença ou participação do marido. Se o nosso herói tem a noção exata do termo vagina, de onde e como pode ser pronunciada, sem lembrar o seu sinônimo chulo, evidente que sabe do menage a trois, troca de casais, exibicionismo, voyeurismo, etc. Ora, ele presume que o médico nada faria em sua presença, mas o que vai pensar, o que vai imaginar? Logo após a consulta, depois de ver e tocar sua mulher, não poderia o médico trancafiar-se e? Não poderia desafogar sua atração com a mulher dele, ginecologista, pensando em sua mulher e em tudo o que viu e tocou? Outra hipótese, ainda pior, é que a sua própria mulher gostasse de se exibir, ser vista e tocada por outro e, ao depois, fazer quase que o mesmo que o ginecologista faria? Mais: e se houvesse retorno? Ou retornos? E se ele não pudesse ir? E se rolasse alguma química, será que a sua mulher, nua, ao dispor de outro, resistiria? E se ela gostasse, será que limitar-se-ia aos retornos? E, pensava no profundo mal estar que sentiria de ter que ver um estranho, na sua frente, vendo, junto com ele, ao lado dele e com o consentimento dele, todas as intimidades de sua mulher? Claro que iria apalpar os seios, para aproveitar e ver se não havia problemas de mama. E perguntar sobre a vida conjugal, ali, na sua frente.
Tudo isto levava-o a refletir com medo que de forma alguma seria um corno manso (a simples possibilidade era terrível) e deixá-lo com dúvidas que nunca teriam resposta e complexos que poderiam acompanhá-lo por anos ou todo o sempre.
Enfim, sentia-se preocupado com a saúde de sua mulher, tanto que estava ali, exigindo o pronto atendimento para a sua companheira.
Mas, se se preocupava com a saúde física dela, não descurava de sua própria sanidade mental e, definitivamente, ia exigir mesmo uma médica-mulher, a tal ginecologista.
E ponto final.
Clau disse…

PS. Ufaaaaaaaaaaaaaa...
Clau disse…
Retiro o ponto final e o Ufaaaa... Como dito de início, no primeiro comentário, o conto não é difícil, mas muito difícil. Assim é que no comentário de número três, procurou-se saber o motivo de ele querer uma médica-mulher e nunca um médico-homem. Pelo simples preconceito de ser homem, mesmo que médico e profissional. No entanto, o comentário é incompleto. Fica na base de "os fantasmas são outros". Quais seriam tais fantasmas e por que?
Inicialmente, o médico, por ver sua mulher desnuda, em sua frente, tocá-la, apalpá-la, pensar, imaginar, marcar exames, retornos, enfim o grande fantasma seria o médico, sua libido, desejos, etc. podendo chegar a.
O segundo fantasma seria a própria mulher, gostando de exibir-se, conversar em excesso sobre sua vida sexual, sentir-se tocada, apalpada por um outro homem, etc. e etc., com possibilidade de.
E o terceiro fantasma (sempre os outros) seria o conjunto médico-mulher, ele gostando e ela idem, quebrando todas as regras, etc, etc, com consequências imprevisíveis e, dependendo, de longa duração.
Esqueçamos os fantasmas alheios. Vamos nos fixar simplesmente no marido. E se o fantasma estiver em si mesmo, em seus desejos, taras, vontades reprimidas, ou seja, e se ele próprio quisesse e gostasse que tudo acontecesse, mesmo? Ou seja, ele teria reações que imaginava, ao ver sua mulher nua na frente de outrem, que lhe olharia, examinaria, apalparia seus seios, nádegas, regiões íntimas, não seria ele próprio o seu fantasma, com imenso desejo que o fato se concretizasse, continuasse, sempre com sua presença e com as típicas reações visíveis, aos olhos de sua mulher entregando-se a outrem e deste outrem (o médico) percebendo o nítido entusiasmo dele? Seria ele um corno manso no armário, enrustido e que teria que assumir-se como tal para saciar suas taras e fantasias? E se este assunto já tivesse sido abordado em conversas de alcova, com todas as baixezas e sem-vergonhices possíveis e imagináveis, ela portando-se e falando como uma messalina, marafona (e entregando-se a outrem) e tanto ele como ela se sentirem a mil, melhorando e apimentando o relacionamento com estas e outras fantasias? Na realidade, ele próprio não teria em si o germe do fantasma que tanto temia?
E alguns detalhes técnicos fugiam totalmente ao seu controle. Para examinar as mamas, qual a técnica e o quanto o médico poderia apalpar? Se alegasse que parecia haver um pequeno nódulo, mas que ele, médico, estava tentando localizar, como impedi-lo de extasiar-se numa apalpação frenética dos seios? E o toque? Por quanto tempo poderia ficar efetuando o exame clínico? E colmo saber da reação de sua mulher?
Bem, só há uma certeza: ele não quer correr o risco de um ginecologista-homem, seja pelos fantasmas que ele considera alheios. Ou o mais grave, com medo-vontade de seu próprio fantasma.
Ora não quer por ter medo de não gostar, ora pelo pavor de gostar.
Sem ponto final e sem "Ufaaaaaaaaaa...", mas querendo que nenhuma outra hipótese surja, que outros "fantasmas", sejam quais forem, compliquem ainda mais o que já está pra lá de complicado
Lyli disse…
Clau, que comentário! Aliás, que análise! Obrigada, é mais do que meu relato merece. E isso que não falei que o homem parecia de origem árabe devido a cor da pele e tamanho do nariz. Também usava um anel de pedra cor de rubi no dedo da mão direita. O que isso significa? Não sei, mas certamente tu sabes! Obrigada!!!
Clau disse…
Parecer um árabe é diferente de sê-lo. Pavilhão naricular avantajado (geralmente, adunco), cor de pele morena, barba cerrada, sobrancelhas pronunciadas e cabelos encaracolados constituem algumas características de árabes. Mas, como se sabe, os árabes (ou mouros) dominaram por um bom tempo o sul da Europa, especialmente Espanha e Sul da Itália (Sicília, Calábria, Puglia, chegando até Nápoles). Ainda hoje, percebem-se nestes povos traços árabes inequívocos. E, a título de exemplo, a célebre canção napolitana "Marecchiare", tem uma maneira de cantar semelhante a uma canção árabe, com aquelas ondulações seguidas e que parecem não se acabar.
Bem, se o nosso árabe não o é (árabe...Clau, vê se aprende a escrever...), os comentários continuam os mesmos. O anel de rubi, em certa época, era típico de um advogado. Era, por excelência, o anel de formatura. Mas, algumas pessoas também usavam tal anel, como sinal de poder, dinheiro ou status. Recordo de um treinador de cavalos de corrida que estava sempre com um enorme anel de rubi. Claro que a pedra, enorme, constituía a piece de resistance do anel. Mas, nos lados, onde o metal sustentava a pedra, haviam duas letras: "R' e "M", ou seja as iniciais do treinador (existe uma tradição, no turfe, de chamar jóqueis e treinadores pelas iniciais ou a inicial do nome e o sobrenome, como C. Dutra (Clóvis Dutra), célebre jóquei gaúcho, que trabalhou anos em Cidade Jardim, vindo a ser, posteriormente, treinador no Hipódromo do Cristal, em Porto Alegre).
O fato é que o anel não desfigura nem o conto e nem os comentários.
Mas, por amor ao raciocínio, admitamos que o nosso suposto árabe era árabe mesmo.
Como é cediço, os usos e costumes dos árabes, em grande parte são ditados pelo islamismo, com várias restrições às mulheres. Ora, se ele tivesse alguma coisa a ver com o islamismo ou com a cultura árabe tradicional, já de cara iria solicitar uma médica (e não um médico). E muito menos pedir um médico de vagina e sim uma médica de vagina. Elementar. E se somente no final pede (não exige, observe-se) uma médica mulher, talvez fosse porque somente naquele momento se recordasse de sua ascendência e de usos e costumes de seus ancestrais. E, ainda que assim fosse (ou seja, por ser árabe), de forma alguma pediria quase sem convicção "Moça, dá pra ser mulher?". Na realidade, é apenas quase um pedido e muito mais uma pergunta, fato incompatível com um árabe mesmo, com os usos e costumes de seu povo.
Portanto, substancialmente, nada se modifica na minha modesta e, quiçá (ai, que termo horrível, Clau, vê se toma jeito), equivocada opinião.

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