Ana


Sentada à mesa no restaurante, comendo distraidamente, eu a vi. Rosto maduro, musculatura da face um pouco frouxa, um rosto bonito. Os olhos passeavam distraídos também, entre a janela à sua frente e as mesas à sua direita. Depois voltava-se para o prato com uma dedicação quase obrigatória. Pensei que a conhecia. Mas não se encaixava em nenhum lugar. Mesmo assim não conseguia tirar os olhos dela, um incômodo tomou conta de mim, como se eu tivesse que saber de que lugar, de que tempo, em que situação, eu a conhecia. Não lembrei. Terminei de almoçar e ao pagar a conta já nem lembrei de olhar novamente pra ela. Saí do restaurante e pensei em ir até o rio antes de voltar pra casa. No caminho a imagem da mulher preencheu meus pensamentos. Não era colega de ensino médio, há 40 anos. Aquela era a Claudia, mais pesada, rosto mais exato. Essa tinha um rosto e um corpo de quem tentou perder peso, e perdeu. Recomecei a tentar encaixá-la em algum lugar. O rio que passa em Encantado passa por Muçum, pensei. Em Muçum mora minha ex colega de faculdade. Ela tem duas filhas, uma com síndrome de down. E tem um supermercado. Era ela, a minha colega de aula por quatro anos! E o nome? Não lembrei. Dei meia volta no carro e voltei ao restaurante na esperança de encontrá-la ainda lá, surpreendê-la, quem sabe ela também não lembrando quem sou, depois de 22 anos. Mudei, ela mudou. Não estava mais. Conversei com o senhor do caixa, que é o dono do restaurante, conhece todo  mundo. Ele disse que o casal vem seguido almoçar lá, que o nome do marido dela é Marcos. Lembrei no ato porque ela falava muito no Marcos. E o nome dela? Ele não sabia, não lembrava...chamou o garçom, explicou a situação, perguntou o nome dela. Também não sabia, não lembrava. Deixei meu antigo nome e sobrenome para que ela relembrasse, talvez. Deixei o telefone, se ela quisesse entrar em contato. Talvez sim, talvez não. Não importa. Talvez não tenhamos mais assunto depois de tanto tempo. Saí do restaurante com um ar de alívio restaurado, minha memória ainda existe e resiste. Entrei no carro, manobrei, dirigi algumas quadras...e pimba! Ana. Esse é o nome dela.

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