Tribos e calcinhas

Filhos de meus filhos. Não sei se vocês estarão aqui um dia. Não sei como estará o mundo nesse dia, mas hoje ele está conturbado. A cada dia que passa percebo que o mundo está muito diferente de quando eu era criança.
Na infância, morava em Bom Jesus, a cidade mais fria do Estado. E, por isso, o inverno era muito difícil. Muito frio, muita chuva. Não tínhamos roupa suficient. Minha mãe ( a bisavó de vocês) virava nossos casacos do outro lado e costurava de novo, para que tivéssemos um casaco novo. Naquela época, há quase cinquenta anos, iniciava a cultura do consumismo. Ou sempre existiu, mas para mim não, para mim e meus irmãos era uma necessidade.
Uma vez, lá pela terceira série, eu tinha 8 ou 9 anos, lembro que as gurias riram e debocharam da minha calça de pano. Iniciavava-se a aparição de calças de tecido sintético. Eu usava calças de algodão, feitas por minha mãe. Elas levantaram o meu vestido e riram de mim; diziam em coro: calças de pano, calças de pano....eram calcinhas de tecido floreado, com flores miudinhas. Eu, em vez de sentir-me humilhada e menos que elas, avancei no rosto de uma e arranhei toda. Foi a minha forma de dizer que não me sentia menos que elas, mas hoje penso que talvez me sentisse menos que elas, ou já teria esquecido o episódio. E, lógico, hoje, diante do mundo em que vivemos, em que quase tudo é artificial, é descartável, sei que uma calcinha de algodão feita em casa é uma relíquia, um tesouro. A questão é que, na época, o importante era estar incluída, fazer parte do grupo. E hoje, será que é diferente? Será que hoje podemos não fazer parte de grupo algum?
Sempre fazemos parte de um grupo, mas podemos escolher nossa própria tribo. Agora posso escolher a que tribo quero pertencer e quem pode pertencer a minha.

Comentários

Anônimo disse…
Quando eu iria imaginar que voltasse a ouvir falar das calcinhas de florzinha, feitas em casa?
Minha mãe fazia (e provavelmente usava), assim com as tias, primas, etc.
Achava bonitinhas, especialmente a estampa.
Fui crescendo, crescendo e aí já gostava diferente...enfim, a humanidade não presto...

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