João e Maria ou A pequena história do abandono

Saímos de casa, eu e João, pra colher flores raras na floresta escura. No primeiro dia, levamos pedrinhas prateadas, com as quais João marcou o caminho. No segundo dia, levamos migalhas de pão. Os passarinhos, famintos, como nós os humanos, comeram as migalhas todas e não encontramos o caminho de volta. João disse: Maria, espera por mim aqui. Senta neste tronco de árvore e espera. Mesmo que não esteja aqui, estou sempre contigo. Não tenha medo. E João se foi. Esperei. Desenhei na terra, compus figuras com galhos e folhas secos. Desenhei o meu nome e o nome dele na casca do velho carvalho. Fui até a beira do riacho, molhei os pés. Catei seixos e fiz um pequeno castelo à beira da água.Cantei. Conversei sozinha. Falei. Gritei. Meus pés enrugaram. Sentei, olhei pro céu. Deitei, adormeci. Acordei já era noite. E nada de João voltar.
Comi pequenos frutos, bebi a água do rio. Céu azul, céu cinza, sem céu. Escuro, estrelado, lua. Breu. E nada de João voltar. Entristeci, chorei, ri. Enlouqueci.
Um dia, olhei pra mim e vi que meu corpo mudara. A pele grossa, enrugada, dura. Coberta de manchas brancas e verdes. Dos pés, pequenas e finas raízes que se fixavam ao chão. Da boca saiu uma flor. Virei árvore e João nunca mais voltou.

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