O primeiro artigo a gente nunca esquece

A Roda dos Expostos

Lylian Mares Cândido Gonçalves (1)

“Era grotesca a tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se consegue sem o grotesco, e alguma vez o cruel”

Machado de Assis – Pai contra Mãe

Resumo

Este artigo pretende mostrar que o abandono de meninos e meninas faz parte da história da humanidade desde sempre e que a Roda dos Expostos, surgiu da necessidade de abrigar essas crianças, mesmo que precariamente. Pode-se verificar , também, que a Roda dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre foi, por mais de um século, responsável por acolher, proteger e preparar para a vida, órfãos da sociedade gaúcha.

O fim das Rodas culminou com uma nova forma de olhar e cuidar da infância, mesmo que isso ainda esteja longe de dar conta de todas as necessidades infantis.

Palavras-chave

Abandono, infância, exclusão.

O abandono das crianças a longo dos tempos

Quem são os meninos e meninas que perambulam pelas ruas das grandes cidades, dormindo sob as marquises, debaixo das pontes, cobertos por jornais? Quem são os meninos e meninas que, quando paramos o carro nas sinaleiras, aproximam-se numa atitude entre tímidos e agressivos?

Crianças na rua e crianças de rua, uma diferença fundamental. Criança na rua é aquela que passa a maior parte do dia na rua, brincando com outras em igual situação, pedindo esmolas e observada ou a mando de um adulto, e que à noite volta para casa, reencontra a família que pode ter as mais diversas características. O vínculo familiar, mesmo que em conflito, existe para o menino na rua. Criança de rua é aquela que vive na rua, na acepção mais exata da palavra viver. Dorme, acorda, brinca, alimenta-se, muitas vezes das latas de lixo, e dorme encostada a outras e, não raro, com pequenos animais, para aquecer-se no inverno. Essas crianças estão expostas a toda espécie de riscos físicos e psicológicos. Podem sofrer abuso sexual, sentem a fragilidade do abandono, do desamor, da deseducação. Estão entregues à própria sorte e ainda sofrem com o preconceito e o rechaçamento da sociedade.

A história do abandono de crianças remonta da antiguidade, desde muito antes de Cristo. Sara, esposa de Abraão, possuindo idade avançada não podia ter filhos, e como tal privação era vista como se Deus não os tivesse abençoado, ela permite que o seu esposo tenha um filho com a escrava da casa, Agar, que engravida e tem um filho chamado Ismael. Para surpresa de todos e para graça Divina, Sara também engravida e tem um filho, o qual é chamado de Isaque. Com o passar dos tempos e após o nascimento de Ismael, Sara sente-se desprezada, e também por ciúmes, solicita que Abraão expulse Agar e seu filho para o deserto. Assim “sem água e sem ter o que comer no deserto, Agar abandona Ismael sob um arbusto, para não vê-lo morrer. Mas Deus salva-o e promete fazer da descendência de Ismael um “grande povo”.(GÊNESIS, 21,8-23).

O segundo caso de abandono é o de Moisés, que aconteceu também há muito antes do nascimento de Jesus Cristo. O Faraó descrito na sagrada Escritura teme que um “novo” homem tome o poder. Assim, cria uma lei que ordenou a morte de todos os meninos que nascessem naquele tempo. Porém, uma mulher que trabalhava na casa do Faraó, consegue esconder seu filho por três meses. Quando não consegue mais fazê-lo, aproveita um dia em que a filha do Faraó está a passeio e coloca o menino em um “cestinho de vime à beira do rio Nilo”. Ao vê-lo, a moça o recolhe e o leva para sua casa. Posteriormente, ela lhe dá o nome de Moisés e permite que sua serva o crie (mesmo sem saber que ela era, de fato, a mãe biológica da criança). Tempos depois, Moisés se torna um grande homem que “encaminha” o povo de Deus rumo à Terra Prometida.

Segundo Marcílio (2006), as situações bíblicas de abandono das crianças aparecem sempre como uma necessidade, o que difere, por exemplo, das situações apresentadas na Mitologia Grega, em que os pais queriam mesmo se desfazer de seus filhos por motivos diversos e esse direito era alicerçado juridicamente. Já na Grécia Antiga o pai tinha total poder sobre seu filho e atos hoje caracterizados violentos como a morte, comercialização, aborto, infanticídio eram praticados contra esse público infantil. Essa realidade era tolerada e aceita pela sociedade, visto que as crianças pequenas pouco valiam ou não valiam nada, e o mais importante era preservar a honra da família, bom como seus bens.

São diversas as histórias na Mitologia Grega sobre “deuses” que foram abandonados por seus pais. Júpiter, o “deus” da Luz, foi abandonado ao nascer. Outro relato importante diz respeito ao “Complexo de Édipo”, escrito por Sófocles também na Grécia Antiga. Laio, pai de Édipo, foi advertido por um Oráculo que o seu filho o mataria. Com medo de que isso de fato acontecesse, ele abandonou o seu filho ainda pequeno no Monte Citéron para que ele morresse e a profecia não se confirmasse. Édipo foi encontrado por um pastor que o acolheu e o levou até o Rei Políbio, de Corinto, que o adotou. Ao crescer, Édipo se torna um herói e numa encruzilhada acaba matando o seu pai biológico e ainda se casa com a sua mãe biológica, Jocasta. O rei Édipo, então, acaba cometendo incesto e o parricídio sem saber, concretizando-se, assim, a profecia do oráculo.

Segundo a mitologia grega, Urano impede seus filhos de nascerem. Crono, com medo de ser destronado, engole os filhos ao nascerem. Comeu todos, exceto Zeus, que Réia conseguiu salvar enganando Cronos enrolando uma pedra em uma pano, que ele engoliu sem perceber a troca.

Posteriormente, ao enfatizar a importância da Polis e da necessidade de uma formação virtuosa de todos os cidadãos, Platão chegou a sugerir aos pais que não tivessem condições de terem filhos que não o fizessem porque o cuidado e essa responsabilidade de progenitor era uma obrigação cívica. “Os pobres não deveriam criar nenhum filho. Platão não pretendia induzir ao infanticídio, mas sugeria que os filhos dos muito pobres fossem criados fora do seu lar natal. Propunha certa transferência organizada de crianças de famílias indigentes para lares em “melhor situação”. Já Aristóteles, em Política, ao discutir o tamanho das propriedades e sua importância na segurança do Estado, considerou a necessidade de limitar o número de filhos para evitar o empobrecimento dos cidadãos, estabelecendo a necessidade do infanticídio, desde que a exposição não fosse permitida pelos costumes da polis:

Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei

segundo a qual nenhuma criança disforme será criada com vistas a evitar o

excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de

recém-nascidos deve haver um dispositivo legal limitando a procuração; se

alguém tiver um filho contrariamente a tal dispositivo, deveria ser

provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida (Aristóteles,

1988,p.149).

Porém, o abandono de crianças não acontecia apenas por famílias pobres, mas também as famílias ricas o faziam, quando se viam prejudicadas de alguma forma, quando não tinham certeza da fidelidade das esposas ou, ainda, diante de situações como nas tomadas de decisões envolvendo a divisão de bens entre herdeiros já existentes. Na Roma antiga havia lugares onde os pais costumavam deixar seus filhos, talvez dando origem às creches ou orfanatos que se assemelham ao sistema que temos conhecimento hoje.

Um registro nos contos de fadas, que ilustra o abandono motivado pela pobreza, é a história de João e Maria, levados à floresta e abandonados pelo pai e pela madrasta para morrer. O pai condói-se em abandonar os filhos, mas pressionado pela mulher e convencido de que é o melhor a fazer, já que não tem como sustentá-los, deixa-se convencer e abandona-os à própria sorte. Na primeira tentativa eles voltam, depois de marcarem o caminho com pedrinhas. Na segunda vez não tem tempo de juntar pedrinhas e marcam o caminho percorrido com migalhas de pão, que são comidas pelos passarinhos. Na floresta escura, à noite, com frio e com medo, João e Maria encontram uma casinha de chocolate e doces, como se fosse uma premiação pela privação que estavam sofrendo. Após algumas peripécias e enganar a bruxa que os prende, que na verdade é a madrasta, eles conseguem matar a bruxa queimada e voltar para casa com a riqueza que encontraram. Essa história “infantil”, que apesar de lúdica, tem um misto de prazer e terror, encantou e ainda encanta as crianças ao longo dos séculos.

Ilustrando os registros da realidade da infância na história da humanidade, tem-se conhecimento de que “as crianças, as quais não se matavam diretamente, mas que, por motivos os mais diversos, não se criavam, eram deixadas em qualquer lugar : no lixo, em vias públicas, na entrada de casas aristocráticas, nos pátios, terrenos baldios, nos átrios de mosteiros e conventos, em portais de igrejas, hospícios, hospitais gerais, nas fímbrias de bosques, matos florestas – pela mãe, pai, por ambos os progenitores, parentes, vizinhos, amigos, inimigos -, logo após o nascimento, ou nos primeiros dias, meses, anos de vida. (CORAZZA, 2000, p.60)

O surgimento das Rodas

Assim surgiu a Roda dos Expostos ou a Roda dos Enjeitados. Segundo Marcílio,(2001), a Roda foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950. Embora hoje o sistema da Roda dos Expostos pareça-nos desumano, foi por quase um século e meio a única instituição de assistência ao menor abandonado no Brasil. A origem desse mecanismo assistencial é da Idade Média, inicialmente em Portugal, seguindo-se a Itália. No Brasil, encontramos treze Rodas: três criadas no século XVIII (Salvador, Rio de Janeiro e Recife), uma no início do Império (São Paulo); todas as demais foram criadas no rastro da Lei dos Municípios que isentava a Câmara da responsabilidade pelos expostos, desde que na cidade houvesse uma Santa Casa de Misericórdia que se incumbisse desses pequenos desamparados. Neste caso estiveram as Rodas dos Expostos das cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas (RS), de Cachoeira (BA), de Olinda (PE), de Campos (RJ), Vitória (ES), Desterro (SC) e Cuiabá (MT).

Conforme SILVEIRA, 1997, p.9, a Roda dos Expostos era um mecanismo de madeira que girava em torno de um eixo, com uma abertura para colocação da criança. Ao girar a roda, a abertura voltava-se para dentro do prédio, preservando a identidade da pessoa que depositava ali o bebê. A Roda passou a ser receptáculo da criança abandonada no transcorrer de um século e meio.

A Roda foi instituída para garantir o anonimato do expositor, evitando-se, na ausência daquela instituição e na crença de todas as épocas, o mal maior que seria o aborto e o infanticídio. Além disso, esse sistema poderia servir para defender a honra das famílias cujas filhas teriam engravidado fora do casamento. Alguns autores atuais estão convencidos de que isso serviu também de subterfúgio para se regular o tamanho das famílias, dado que na época não havia métodos eficazes de controle de natalidade. (MARCÍLIO, 2000, p74)

No conto “Pai contra Mãe”, de Machado de Assis, ambientado no tempo do Império, na cidade do Rio de Janeiro, a Roda dos enjeitados aparece como uma opção acolhedora e facilitadora da vida familiar. Em certo momento, a tia que incentiva o casal, que passava por dificuldades financeiras, a deixar o filho que vai nascer na Roda, manifesta-se assim:

Digo que é o melhor que você tem a fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão estão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumenta? E depois,há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim...(ASSIS, 1998, p.103)

Segundo Marcílio, a criança depositada na roda, recolhida pela rodeira, era logo batizada. Fazia-se um inventário de todos os eventuais pertences que trazia consigo, inscrevia-se no livro de entrada dos expostos cada uma das peças do vestuário e objetos que vestia ou foram colocados juntos a sim, mesmo que sendo apenas farrapos. Transcreviam-se os bilhetes ou escritinhos que eventualmente o expositor deixava preso à roupa do bebê. No livro de entradas dos expostos, já registravam a criança com seu nome de batismo, e por vezes, suas condições de saúde aparentes. A cada criança reservava-se uma página do grande livro de registros de entradas, pois todas as eventualidades de sua vida seriam cronologicamente aí inscritas (data da morte e causa mortis) saídas para casas de amas, para prestar serviços, casamento, emancipação da casa, etc.).

A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, fundada em 1803, teve a Casa da Roda instituída em 1837, pela lei provincial nº 9, de 22 de novembro de 1837, com a finalidade de acolher e proteger as crianças abandonadas. Visando o melhor funcionamento da instituição foi criada o primeiro Regimento Interno dos Expostos em 19 de junho de 1842. As crianças ficavam aos cuidados das Amas de Leite e das Amas de Criação, requisitadas entre as expostas adultas, que recebiam pagamento pelos seus serviços.

A criação dos expostos, até oito anos de idade, poderia ser feita por pessoas que desejassem encarregar-se dessa tarefa: eram as “mães criadeiras”. Mediante requerimento dirigido à Santa Casa e após as necessárias averiguações das condições materiais das pessoas interessadas, o bebê era entregue às “mães”, que se comprometiam a informar regularmente à Administração da Santa Casa sobre o estado de vida e de saúde da criança. Estas “mães” recebiam pagamento mensal para custear a criação da criança, até a idade de oito anos, sendo menino, e 7 anos, sendo menino. Após essa idade a criança deveria ser devolvida à Casa da Roda num prazo de três meses. Não sendo devolvida após esse prazo, a criança permaneceria sob a responsabilidade da “mãe” até os 12 anos, sem que para isso a Santa Casa precisasse dispender qualquer quantia. Após os doze anos, a responsabilidade era transferida ao Juiz de Órfãos.

As pessoas que desejassem criar algum exposto sem receber pagamento por isso, numa atitude humanitária, poderiam fazê-lo, e neste caso, teriam direito a “dá-lo para o serviço do exército em lugar de algum filho seu”.

Para o sustento e manutenção das crianças mantidas nas Casas de Roda, eram utilizados os recursos provenientes das doações de particulares, do governo, dos rendimentos dos bens dos expostos oriundos também de doações ou, se necessário das “rendas próprias da Santa Casa”.

O destino das crianças era quase sempre a adoção. Porém, se ao atingir a idade de sete ou oito anos ainda permanecessem na Casa da Roda, os meninos eram encaminhados ao Arsenal de Guerra onde aprendiam algum ofício até os 16 anos. As meninas permaneciam na Casa da Roda trabalhando como amas de criação e esperando que alguém se interessasse em casar com elas. Considerando essa possibilidade, a Santa Casa preocupava-se com os dotes das expostas, pois naquela época as moças deveriam possuir dotes para poderem casar. Para isso eram utilizadas as doações de particulares, específicas para esse fim, ou as economias das expostas.

A Casa da Roda, na Casa de Misericórdia de Porto Alegre, existiu até 1940, quando foi extinta, sendo substituída pelo “berçário” na Maternidade da Santa Casa.

Alguns registros curiosos no Centro de Documentação da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

SESSÃO DA MESA de 22 de setembro de 1852. fl.180

Trata do requerimento de José Maria Correa Junior, para que lhe fosse entregue um crioulo de nove meses de idade, filho de uma escrava sua, fugitiva, e que o abandonou na Roda dos Expostos. A Mesa ouviu o parecer do Mordomo dos Expostos que afirmava que o ocorrido era verdade, mas implorava a proteção deste estabelecimento em benefício do inocente. A Mesa decidiu entregar o crioulo a seu dono, não levando em consideração os apelos do Mordomo dos Expostos, para evitar inconvenientes no futuro. fl. 180.v.

SESSÃO DA MESA de 18 de março de 1882. fl16v.

Trata da petição de D. Anastácia Junqueira solicitando para restituir à Santa Casa a exposta Anastácia em conseqüência de seus sofrimentos físicos e morais. A Mesa e ncaminhou ao Mordomo para providenciar as devidas informações.

SESSÃO DA MESA de 21 de agosto de 1882. fl.04 v.

Trata do pedido que o Tem. Coronel Luiz Franco faz à Mesa solicitando lhe ser dada uma exposta. A Mesa após votação decidiu entregar ao referido suplicante a exposta, devendo este assinar o termo exigido em Lei. Fl.05.

SESSÃO DA MESA de 18 de março de 1882. f.53

Trata do indeferimento da pretensão de Leopoldino Francisco da Cunha em colocar o exposto J.Pinto da Fonseca no Arsenal, visto não ter sido para este fim que a Casa lhe confiou o exposto, e sim para criá-lo e educá-lo como ficou estabelecido no contrato. Fl.53.v

SESSÃO DA MESA de 02 de janeiro de 1890.fl.47

Trata das declarações do Provedor, fazendo ver à Mesa as grandes despesas para a manutenção de algumas expostas que se conservam na Casa da Roda, questionando a própria continuidade desta. Após colocações contrárias a do Provedor e de discussão entre os Irmãos da Mesa, tomou a palavra o Irmão Firmiano, esclarecendo que a questão da Roda pode ser facilmente resolvida, bastando que se comunique ao Governo que a Santa Casa não quer mais cuidar dos expostos e, portanto, desiste da subvenção relativa. fl.48v.

DOCUMENTOS

Ano de 1844

Doc.7 – Trata do pedido de Mathildes Maria Ribeiro para criar um exposto, visto possuir uma escrava de nome Marianna, com muito bom leite. Com o atestado de idoneidade da requerente, o parecer do Mordomo dos Expostos e o despacho favorável do Provedor de 29.01.1844.

Doc. 20 – Trata do pedido de José Antonio de Lemos para criar um exposto, visto ter uma escrava com abundância de leite, e como sua senhora não tem filhos deseja ter uma criança para seu entretenimento. Com o parecer do Mordomo dos Expostos e o despacho favorável do Provedor de 28.03.1844. Acompanha atestado passado pelo Coronel Villas.

Ano de 1848

Doc.2 - Trata do pedido do Desembargador Manoel Paranhos da Silva Vellozo para que lhe entreguem o exposto Manoel, que foi colocado na Roda em 26/11/1843 pela parda Anna a quem dera a criança para criar. Como comprovante de sua paternidade apresenta escritura de reconhecimento e filiação. Solicita, ainda, parcelar as despesas feitas com a criação, pagando 200 mil réis como primeira prestação, e as outras, de 100 mil réis anualmente. Com a autorização, pelo Provedor, a entrega do menino e a forma de pagamento proposta pelo requerente, em 02/02/1848.

Ano de 1854

Doc.1 - Trata do pedido de Roza Angélica de Jesus para que seja recolhida ao estabelecimento dos expostos uma menina de oito anos, que ela cria. A requerente declara que não possui mais condições de criá-la e educá-la dignamente, não podendo garantir que a menina tenha um futuro honesto. Com o despacho negativo do Provedor de 22/101/1854. Acompanha atestado de veracidade das informações.

O eterno abandono da infância e uma versão moderna da “Roda dos Expostos”

Na Europa contemporânea, a “Roda” é vista como uma prática medieval, o que não impediu que países como Itália, Alemanha, Áustria e Suíça criassem uma versão moderna da Roda. Com o aumento do número de recém-nascidos abandonados, principalmente por imigrantes ilegais, alguns hospitais criaram um sistema no qual o bebê é colocado num berço, através de uma janela que impede a identificação da pessoa que o deixou ali. O berço é aquecido e equipado com sensores que alertam médicos e enfermeiros sobre a presença da criança. Localizado em um bairro de Roma com grande concentração de imigrantes, o Hospital Casilino ativou o sistema recentemente. Quando um bebê é depositado no berço aquecido é atendido em quarenta segundos.

Na fachada do Hospital Casilino está pintado em um mural, a seguinte frase, em várias línguas, inclusive em português. “Ne l”abandonne pás! Confie-le à nous , Nu Il Abandona! Incredinteaza-ni-l-nouã, Don’t abandon yuour baby! Leae it with us., Não o abandone! Confie-o a nós.

Considerações finais

Este estudo trouxe à tona algumas questões básicas na evolução da humanidade com relação à infância e ao abandono de crianças. A prática de abandonar suas crianças faz parte da natureza e dos procedimentos da raça humana. Na antiguidade as crianças eram abandonas ao relento e morriam de fome, frio ou devoradas por animais. Hoje são abandonadas e expostas aos mais diversos perigos que oferece a sociedade contemporânea. Hoje as florestas são de concreto e a comida abunda nas latas de lixo. Crianças com seis, dez anos consomem drogas e praticam pequenos furtos. Muitas vivem nas ruas, não tem família para onde voltar e não vão à escola. Os orfanatos e casas de passagem estão cheios. E na Europa cria-se uma nova (?) versão da Roda dos Expostos.

Criar alternativas humanitárias para dar um rumo e uma vida digna a essas crianças a fim de que se estabeleça uma nova ordem social, onde a justiça seja igualitária e que se cumpram, no mínimo, os Direitos das Crianças, elaborados pela Organização das Nações Unidas, é urgente e necessário para que se desenvolvam as primícias da inclusão social da maneira mais fiel ao verdadeiro sentido dessa expressão.

Referências

ASSIS, Joaquim Maria Machado de, Contos, Porto Alegre: LPM – 1998. p. 103 a 107

CEDOP – Centro de Documentação e Pesquisa – 1815-1959, CASA DA RODA – Guia de Fontes, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

CORAZZA, Sandra Mara. História da Infância sem Fim, Ijuí, Ed.UNIJUI, 2000.

DREXEL, John , IANNONE, Leila Rentroia , Criança e Miséria, Vida ou Morte? , São Paulo:Moderna, 1989.

FREITAS, Marcos Cezar (org.) História Social da Infância no Brasil. São Paulo. Cortez, 2006.

MARCÍLIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil. 1726 – 1950. In: História Social da Infância no Brasil.6 ed.São Paulo: Cortez Editora, 2006. p.53-79.

REVISTA VEJA – Artigo Salvos pela “roda”, p.73 – Ed.1998 - Anna Paula Buchalla

Comentários

Anônimo disse…
Ou seja, a humanidade (nós) é historica,comprovada e assumidamente cruel, cruenta e insensível.
E ética e moralmente podre.

Confesso que não tinha conhecimento concreto de tantos fatos, através dos tempos.

Na adolescência, havia um cálculo de mortalidade infantil, que chegava a um avião tipo boeing, caindo a cada minuto (era uma imagem para exemplificar a estatística), cheio de crianças. Evidente que era "papo de comunista", tentando denegrir a civilização ocidental cristã.

Bem, o artigo está mais que excelente. Foi publicado?
Lyli disse…
Obrigada pelo "mais que excelente".É meu primeiro artigo.Eu também fiquei impressionada,mas há mais coisas entre o céu e a terra....tu sabes. Não foi publicado, mas gostaria de fazê-lo.
Anônimo disse…
Pena.
Está muito atual.

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