As Marias que nós somos

Todas  nós somos Marias. Maria que nasce no sertão, que desde cedo ajuda a mãe nas lidas domésticas, vai buscar água longe de casa, come pouco, brinca quase nada. Maria que faz sua própria boneca de pano e que cresce espiando pela janela quando, por acaso, surge um ou outro estranho na frente da casa. Maria que varre o terreiro, que arruma a casa, cozinha e que tem uma boa quantidade de filhos, uma mão cheia, duas até. Maria que nasce nos pampas, que levanta de madrugada para tirar leite, que cuida da horta, que cozinha. Maria que não vai à escola porque é muito longe. Maria que anda à cavalo, lava roupa no rio. Maria que tem vários filhos, que visita e recebe visita da comadre que mora no sítio mais próximo. Maria que saiu de casa cedo, que foi à escola, fez mestrado, doutorado. Maria que ama, que não teve filhos, não quer ter. Maria da cidade, que teve filhos cedo, que trabalha, estuda, trabalha, estuda. Que vê os filhos saírem de casa e fica só.
Conheço Marias e Marias. Duas delas em especial. Uma, do sertão, o marido não quer mais, e ela chora. Conta que ele se afasta dela na cama, não conversa, não olha pra ela. Essa Maria tem quarenta anos, o rosto vincado pelo sol, parecendo sessenta, as lágrimas escorrendo pela face. Essa Maria sofre a dor do desamor e do abandono. Ela não estudou mas tem a sensibilidade e a oralidade das mulheres sábias do sertão.
A outra Maria é bem cuidada, estudou, é doutora pensando em pós-doutorado. Seus olhos denotam a tristeza do abandono e do desamor. Descobriu que o marido, a quem ela amava, a traiu, não com uma, mas com várias mulheres. Qual a diferença entre essas Marias? Nenhuma. Todos nós somos Marias em algum momento e de alguma forma. Todas amamos, criamos filhos,somos traídas,abandonadas, amamos os filhos dos outros, trabalhamos, deixamos sonhos para trás, outros enterramos, outros nem ousamos sonhar. Essas são as Marias que nós somos.

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