Não digas nada.
















Não digas nada, meu amado. Eu sei. Sei todas as palavras que não diz e que habitam teus pensamentos todos os dias, e em muitas noites insones. E, mesmo em seus dias mais claros, quando o sol queima os olhos de tão dourado e tão quente, pensa como seria bom se tudo fosse diferente, se o relógio andasse pra trás, muito pra trás, e o tempo parasse, e os espaços encurtassem, e o mundo mudasse. Sim, porque o mundo teria que ser outro. As pessoas seriam outras e seria outra a nossa história.

Não digas nada, amor, que sei que pensas que não deve pensar, e não deve sentir, e que seria bom se eu não existisse e tudo fosse novamente certo e preciso, e não houvesse a dúvida e o medo. Seria bom que tudo fosse calmo e quieto e as janelas fechadas, sem o som das ruas, e as portas chaveadas te dariam a medida das horas e dos dias e dos anos. A vida seguiria sem descompassos, sem desacertos, sem paixão.

Não digas nada, que eu sei tudo o que diria, se pudesse dizer. Não digas, que também não digo, assim como você eu também só penso. Que a palavra não dita é a palavra não vivida, é apenas sentida.

Não digas nada, que só o amor que sinto é capaz de revelar a mim todas as falas, os pensamentos, as palavras, as letras, os sons que teus lábios retém, que teus olhos dizem, mesmo sem dizer a mim, dizendo apenas a si mesmo, talvez num espelho, talvez olhando em uma janela, vendo as pessoas passarem na rua, todas pensando, todas vibrando, vivendo e pensando coisas e não as dizendo também.

Não digas nada, que só o amor que sinto por ti é capaz de me dar a medida exata dos abraços que me daria e eu te daria, e como seria nossa a felicidade, e como gozaríamos juntos tudo e todo o prazer de estar juntos, de repartir o pão e o chão, o café e a cama. As letras e os livros, os sons e as músicas. A vida.


Não digas nada, meu amor. Não é preciso. Antes era tarde, agora é mais tarde ainda. E amanhã será tarde para todo o sempre e mais um dia.

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