Considerações

Quando somos pequenos não compreendemos exatamente porquê certas coisas nos acontecem. Muitas delas até pensamos que são inerentes à nossa própria existência. Ser pobre, não ter dinheiro suficiente para as necessidades básicas, não ter moradia, não ter roupa suficiente, nem acesso ao lazer, a livros, a viagens, e nem mesmo ter uma família estruturada. Pensamos que é assim e nada pode ser diferente. Essa é a nossa vida. Algumas pessoas têm tudo o que precisam, outras não tem nada do que precisam. A vida é assim, e nós fazemos parte das que não tem. Se isso é predestinado ou programado por algum sistema de organização da vida sobre o planeta, não sabemos.

Então crescemos e passamos a ter consciência mais clara do funcionamento deste mundo. Passamos a entender as relações sociais e políticas. E compreendemos que desde que o início dos tempos existem as diferenças, e que ninguém é totalmente feliz ou totalmente infeliz. Toda pessoa que aparentemente é feliz, por ter sanadas as suas necessidades básicas, mais primárias do ser humano, é, em algum momento, infeliz. E que todos os infelizes, os miseráveis, os desvalidos, têm, em algum instante, um momento feliz. E que nada é para sempre e tudo passa. Tudo é efêmero, não conseguimos reter nem os momentos felizes e nem a própria vida.

É difícil escrever sobre os ganhos, as perdas, a solidão. É difícil não deixar que o mundo perceba toda a nossa ruína interior e mais difícil ainda, não passar para as pessoas, essa ruína. Ninguém é responsável pelo nosso sofrimento, pelas nossas expectativas ou perdas. Todos querem carinho, atenção.

Somos todos atores de uma peça onde o enredo não é predeterminado, cada um escreve o seu próprio roteiro. Nossa ação é determinada pela ação do outro e vice-versa. Os caminhos e descaminhos que se seguem são apenas conseqüências de ações interativas. Representamos muito bem. Nossas máscaras se moldam no rosto de forma imperceptível e impermeável. Não tem como ver o que há por trás delas. Não podemos mostrar o rosto amargurado e o olhar triste, perdido. Nem a falta de sorriso nos lábios. Nem podemos chorar.


Ao final do dia, no silêncio da casa, na escuridão, tiramos a roupa, rasgamos o peito, tiramos o coração pra fora e deixamos que bata apressadamente, que doa, que pulse, que vibre.
Arrancamos a máscara e tentamos olhar o nosso rosto como ele realmente é. Nos permitimos a dor, nos permitimos olhar em nossos próprios olhos e sofrer. Mas no dia seguinte, saímos de casa de novo para um mais um dia de representação teatral. E todos nos olham e pensam em como somos serenos, em como somos tranqüilos e normais.

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