Para que ninguém a quisesse

Porque os homens ainda olhavam demais para ela, desceu a bainha dos vestidos e parou de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ela eliminou os decotes, jogou fora os sapatos de saltos altos. Dos armários tirou os vestidos mais bonitos e as lingeries. Da gaveta tirou todos os anéis, colares e brincos. E vendo que, ainda assim, um ou outro olhar viril se acendia à sua passagem, pegou a tesoura e tosquiou os cabelos.

Agora podia estar descansada, sentia-se quase invisível. Quase ninguém a olhava e ninguém a olhava duas vezes. Esquiva como um gato, não mais atravessava ruas ou praças. E evitava sair.
Tão esquiva se fez que mimetizou-se em silêncio pelos cômodos. No trabalho ninguém a notava, não a cumprimentavam, nem perguntavam como estava e nem sorriam pra ela, tal a sua insignificância.
Um dia, alguém lhe deu um batom. Outro lhe deu um sapato de salto alto. E outro alguém lhe trouxe uma rosa.
Ela continuou a identificar-se com os móveis de forma irremediável, enquanto a rosa murchava sobre a cômoda.



Texto adaptado de Marina Colasanti

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