Despedida I

Meia noite e ela já havia dormido algumas horas. Deitara na expectativa de vê-lo entrar pela porta, na penumbra da luz da tv ligada. Provavelmente se espreguiçaria como uma gata e levantaria as cobertas para que ele se aconchegasse. Era a despedida, ela sabia, e queria que fosse em grande estilo. A última vez sempre deveria ser assim, ou não ser. Sentiu-se inquieta, com medo que ele não viesse, afinal. Ela havia ligado, convidado, chamado, quase implorado. Mas ele veio. Com a chave da casa no bolso, entrou, fechou a porta, apagou a luz da sala. Dirigiu-se ao quarto fechado e entrou. Parou na porta e deu aquele sorriso irresistível para ela. Tirou a roupa calmamente. Primeiro o casaco de couro, depois o blusão de lã, a calça, a camiseta, as meias. Dobrou tudo meticulosamente e colocou sobre a cadeira. Ela brincou com alguma idéia sobre o frio, sentiu-se sem graça. Finalmente ele veio para debaixo das cobertas quentes, onde ela rescendia a sabonete e creme num corpo recém esfregado e lavado e revisado. Ele abraçou-a e perguntou o que queria. Mordidas, ele sabia. E mordeu-a toda, como um cão que abocanha um pedaço de carne difícil de separar do todo. Mordeu puxando a carne, o que arrancou pequenos gemidos e gritinhos dela. Depois estendeu-se na cama com as mãos atrás da cabeça e disse agora venha. Ela deliciou-se numa postura de gueixa, de dominada, de subserviente, daquela que mais dá prazer do que recebe, mas tem prazer assim. Depois ele a possuiu com vontade, com a força de um urso, com todo o poder que ela lhe concedeu. Em seguida deitou ocupando o meio da cama e cobrindo-se até o pescoço. Ela perguntou que lado da cama ele lhe daria. O canto, ele respondeu. Preciso sair as 6. Ela deitou em um naco de travesseiro, na beiradinha da sua cama. Ele de costas, ela abraçou-o. Ele, muito quieto, parecia ter medo que ela o tocasse novamente. Ela ficou de olhos abertos, olhando para o corpo enorme dele, a pele negra reluzindo na luz que entrava pela janela, e pensou que ele não passava de um menino. Ficou pensando em quantas coisas gostaria de ter dito, quantas palavras, quantas coisas queria ter contado. Pensou em quantos beijos na boca, quantos abraços, quantos olhares esperou por dias e dias. De manhã, ele levantou antes que ela pudesse fazer qualquer coisa. Ou dizer. Sem boa-noite, sem bom dia. Vestiu-se rapidamente, num ritual lógico, ainda no quase escuro do quarto. Deu-lhe um beijo no rosto e foi. A chave, na mesinha ao lado da porta, silenciosa, estática, diz que ele não vai mais voltar.

Comentários

Postagens mais visitadas