Fragmentos

De pedaço em pedaço
Me desfaço.

Primeiro os pés. Guardo-os lado a lado numa pequena caixa. Olho para eles como se já não fossem meus. Estão um pouco inchados, com o desenho da meia na pele. Semi flores cortadas. Linhas, sulcos. As unhas quadradas, delicadas. Cubro-os com um papel de seda.

Depois, o umbigo. Guardo-0 num porta-jóias antigo. Meu umbigo redondo, pequeno, parece mesmo um brinco. Mini. Umbigo inútil.

Os seios na gaveta, entre os lenços e cachecóis.

O sexo debaixo do travesseiro, ao alcance da mão.

O coração, retiro-o com cuidado e sinto-o pulsar entre os dedos. Retenho-o com firmeza. tenho medo que ele saia voando, como um pássaro ferido de morte. E é lá, no fundo de uma gaveta secreta que eu o guardo. Não quero vê-lo, nem saber se ainda bate ou se murcha e seca dia após dia.

Arranco os olhos com cuidado e guardo-os na bolsa. Irão aonde eu for.

A voz, presa numa gaiola.

As mãos, nos bolsos da calça.

Assim, não sou mais.

Não existo EU.

Apenas partes do que fui um dia.

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