Ano Novo: fim de uma época.


Para muitas pessoas o Natal é uma data difícil, de saudades dos que se foram, de Natais com ausências, de um escancaramento da solidão. Para mim, não. Para mim o nascimento de Cristo é um motivo para celebrar sempre, não para entristecer. É um  momento em que não olho para o meu umbigo mas para todas as pessoas sobre a terra, em uma extensão mais humana, mais abrangente. Desejo intimamente que o Natal seja esperança para a humanidade. Me sinto mais humana no Natal, mesmo que tenha se tornado quase só consumismo. Presentes, presentes vazios, por obrigação, sem o abraço, sem o olhar do outro sequer para agradecer. Porém, no tal do Ano Novo eu me sinto deprimida. É como se no início de cada ano as pessoas que se amam, as pessoas da família deveriam estar juntas. Assim eu aprendi desde que nasci. Assim era. Até alguns anos era necessário que passássemos juntos. Eu me nutria desse amor e isso era alegria, isso era felicidade. Quando éramos pequenos havia um jantar na virada de ano e pra completar íamos à missa do Galo.  Carne de porco porque o porco fuça pra frente, então comíamos carne de porco, para que tivéssemos progresso, fôssemos “pra frente”. Jamais galinha, dizia minha mãe, cisca pra trás. Lentilha, porque dá dinheiro. Comer vários grãos de lentilha corresponderiam mais ou menos a comer muitas moedinhas. Assim eu pensava e assim foi desde sempre. Uvas também trazem boa sorte. Uma folha de louro na carteira, assim como comer peru no Natal. A ceia de final de ano era à meia noite, ou quase. Ficávamos contando os minutos que antecediam o ano novo. Nos últimos dez segundos do ano velho, fazíamos a contagem regressiva. Dez, nove, oito, sete, seis, cinco...quatro...três...dois...um...zero! O bom mesmo era o abraço nas pessoas queridas, desejando do fundo do coração  que tivessem um ano novo melhor do que o anterior. E o melhor ainda, de tudo, era ter pertinho as pessoas amadas. Assim foi quando eu era pequena, quando era adolescente, quando tinha meus filhos pequenos. Lembro ainda hoje quando passei o primeiro ano novo com meu primeiro filho nos braços. Ele tinha dois meses. Eu ainda sentia, não as dores do parto especificamente, mas algumas lembranças do parto. Morávamos em duas peças, quarto e cozinha com banheiro. Lembro que o abracei, beijei e desejei secretamente que ele fosse muito feliz. Depois dessa noite vieram muitas outras, com ele, com minhas filhas, com o pai deles. Mas nunca nenhuma deixou uma lembrança tão vívida quanto aquela primeira vez de virada de ano com um filho pequeno nos braços. Eu tinha vinte e um anos. Muito depois, quando já eram grandes, passamos a negociar, para que eu não perdesse tudo. Natal sempre comigo, fina lde ano com quem quisessem. Nesse ano eu fui ao encontro das gurias, elas não vieram mais passar o Natal comigo. Meu filho, há anos passa o Natal e final de ano trabalhando. Todos os anos ele diz que no ano seguinte não vai trabalhar nessas datas, mas quando elas chegam, ele esquece e vai novamente. Enfim, chegou o final de ano, o último dia de 2014. Liguei para uma, não atendeu. Liguei para outro número, não atendeu. Liguei para outra, não atendeu. E não retornaram. Meu filho, sim, liguei,  retornou, desejamos feliz ano novo um ao outro. Liguei para minha mãe, estava só em casa, não veio passar o final de ano comigo porque tem que cuidar da casa dela e das vizinhas. A mesma história de sempre, a mesma coisa que me irrita e me leva a pensar que se eu não ligasse, ela não ligaria. Que não vem porque não quer, é uma escolha dela, tem esse direito.
Pego minhas carências, boto todas num enorme saco e escondo debaixo da cama. Meses de terapia para não dramatizar, para dramatizar menos, para sofrer menos. Penso, não posso deixar de pensar, que o tempo passa, as pessoas se vão, não estarão sempre aqui, ao alcance do celular, ao alcance de nossa mão. O tempo que deixamos de passar com quem amamos, perdemos.
Natal não é festa de alegria, é festa de intimidade, de reflexão, de fraternidade. Ano novo é festa de alegria, de festa, de riso, de otimismo, de esperança num ano melhor, de estar com amigos. Tento não ficar triste hoje. Mas não tenho vontade de descer as escadas, sair do prédio e compartilhar com estranhos uma falsa alegria que não sinto. Prefiro olhar de longe e pensar que nem todos, afinal, podem estar realmente felizes como estão demonstrando. E que muitos, muitos, passam a virada de ano sozinhos e que este será meu futuro, finalmente.




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