Olhos de Capitu ou O cinismo
O olhar oblíquo de Capitu rendeu e rende muito na literatura,
senão na imaginação de quem a conheceu. Machado é Machado, não é Silva. Enfim,
olhos de Capitu. Tenho visto muitos olhares oblíquos, que dizem sem dizer,
dissimulados. Uma amiga dando um olhar assim, sorrindo, com intimidades, para
outra, não querendo que eu visse, mas olhei no exato instante. Um olhar de
cumplicidade, uma dose de cinismo, outra de ironia. Eu havia dito algo que
motivou esse olhar ambíguo, mas exato na medida da minha desconfiança. O olhar
do verdureiro que me empurrou tempero verde “passado”, amarelo, desgalhado.
Flagrei o olhar dele para outro verdureiro, um riso contido, um cinismo,
enquanto dizia a mim que não, que o tempero não estava passado, havia recém
sido colhido, embora a cor e a aparência desmentissem isso. E minha
desconfiança alastrou-se pela minha própria aparência. Fiquei pensando se era
para minha roupa aquele olhar risonho, se era por pensar estar me enganando.
Olhei bem pra ele, os dentes podres, cacos na boca. Mesmo assim, não tive pena.
O que sei é que o olhar oblíquo de Capitu me persegue, tanto quanto perseguia Bentinho.
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