Ele vai de navio, eu vou de trem.

A minuciosidade com que Graciliano Ramos narra as suas memórias no cárcere é exasperante. Todos os detalhes, todos, das pessoas que estão com ele no cárcere, as que não estão, as que ele lembra, as que pressente, a família, mulher, filhos, as que conhece, e as que não conhece; ele descreve com minúcias. E o ambiente? Sinto até o cheiro do lugar. É impressionante. Isso faz com que eu esteja lá, naquele lugar, naquela época, há quase cem anos. Enfim.

A passividade dele diante dos acontecimentos, é gritante, é enervante. Ele segue os acontecimentos como se não fossem com ele, como se ele fosse um mero espectador, um narrador. Não reclama, não se revolta. Questiona a si mesmo mansamente o por quê dos fatos, mas não briga,não xinga, não se defende e nem acusa. A prisão, que no início parecia uma coisa boa, um bom tempo pra ele escrever seu livro com sossego, agora passa a ser um elemento embotador de seus pensamentos. Ele os sente paralisados, não consegue pensar, nem escrever.

Fico pensando o que estaria acontecendo em sua casa, com sua família, mulher, filhos, enquanto ele está na prisão. O que sentem, o que pensam, o que dizem, como vivem.

Estou embuchada de Graciliano. Estou plena, quase sufocada. Preciso parar um pouco. Dar um tempo a ele, de se acostumar à viagem no navio,para um lugar que ele não sabe onde e a mim, que também não sei pra onde vai o meu trem. Sim, porque de navio não vou. Tenho medo da água.

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