Berço



O que é ter berço? A colocação de uma colega de trabalho me levou a refletir sobre o que é ter berço. Ela disse que quem tem berço não explicita o que vai fazer na depiladora, por exemplo. A pessoa, não necessariamente uma mulher, diz que vai depilar a virilha, não precisa dizer que são as adjacências também e inclusive, isso está implícito no pequeno pedaço de pele da virilha. Isso para ela, é ter berço. Isso me encafifou; será que tenho berço? Penso que, de repente, ter berço não é ter pai e mãe, irmãos, avós,  aquele modelo de família fechadinho num pacote ideal.

Ter berço não é ter educação nas “melhores” escolas, seguindo um modelo tradicional cristão. Ter berço não é ter nascido num de ouro, como se dizia antigamente. Penso que ter berço pode ser bem mais do que isso; pode ser não ter nada disso, não seguir nenhum modelo preestabelecido do que é ter berço. “Ser” uma pessoa de berço pode ser uma pessoa com ideias e pensamentos claros e definidos em relação ao que quer e o que não quer para a sua vida. Pode ser uma pessoa que não perde seu tempo diário falando dos outros, destilando veneno vagarosamente, criticando cada ponto fraco das pessoas com quem convive. Pode ser, também, uma pessoa que não se coloca no centro do universo, puxando para si todos os benefícios da natureza, tipo; meus filhos são os mais inteligentes, meu marido é o mais bonito, meu pai é o mais rico, sou a mais inteligente, etc,etc,etc.

Ter berço pode ser ajudar a quem necessita, sem fazer alarde disso. Pode ser não falar alto em público, não contar suas mazelas no ônibus, numa viagem noturna, e não deixar ninguém dormir. Não furar fila.  Ter berço pode ser não cantarolar “vem, delícia, eu te pego...”, ao contrário, pode ser cantarolar Garota de Ipanema, conhecer música clássica, recitar o poema Tabacaria, de Fernando Pessoa, de cor e salteado, como dizia minha avó. Aliás, ter berço pode ser tido somente uma avó e nunca esquecer seus ensinamentos,  apesar de tê-la perdido ainda na infância. Claro que estou particularizando, refletindo  a partir de vivências pessoais a respeito do que é ter berço ou não, por isso o texto é  colocado no nível das possibilidades; pode ser ou pode não ser.
Tenho ouvido seguidamente essa expressão “é de berço”, mas não consigo significar com precisão o que é ter ou não ter berço. Creio que essa expressão traz em si uma classificação hermética, revelando ser do senso comum que ser de berço é ser bem nascido (leia-se dinheiro), bem educado em torno do velho esquema familiar pai-mãe-filho. Porém, me recuso a classificar as pessoas em caixinhas, em esquemas arcaicos como esse. Então, penso que não sou de berço, sou sem berço, sou mal nascida, mas não mal vivida. E é isso que importa para mim.

Comentários

Anônimo disse…
Expressão congênere de
"mãe solteira", "mulher direita" e outras. Frutos do atraso, estupidez, preconceito e discriminação. Que, felizmente, estão indo para o ocaso, olvido e ostracismo.
Felizmente.

Postagens mais visitadas