As incríveis mãos dos bugios ou, nossos antepassados



Existe uma relação entre as mãos dos bugios e os indígenas que conheço. A semelhança vai além do físico, do tamanho dos ossos, das articulações, da tensão da mãos, das unhas.


Fui à Santa Cruz no final de semana, especificamente num lugar antigamente chamado Gruta dos Indios. Um lugar que abrigou dezenas de índios Kaingang, Guarani e Xoclen, numa gruta onde muitos nasceram, comeram, dormiram,se abrigaram do sol, da chuva e do frio. Um lugar onde havia muitas, muitas árvores, uma nascente de água limpa e bugios, muito bugios. 


O bugios que vi estavam atrás de uma tela bem reforçada, numa espécie de jaula. Dormiam um ao lado do outro, encostados, sentido o calor do corpo um do outro. Estavam alheios às pessoas que circulavam ao redor e os observavam, fazendo comentários surpresos. As mãos, volta e meia se agarravam na tela, se seguravam nos pilares. Mãos de dedos longos, com palma lisa e dorso cabeludo. Os olhos brilhantes, perscrutadores. 


Pensei que os indígenas também estão numa espécie de jaula, são observados o tempo todo e se saem dali são olhados como bichos exóticos, seres que não fazem parte da classe dos humanos. Eles estão em lugares específicos para eles, em lugares chamados aldeias ou terras indígenas, um lugar onde podem estar com os seus pares e ser como realmente são. Eles não se alimentam como os brancos, não tem os mesmos horários, os mesmos costumes, as mesmas crenças. São diferentes de nós, são eles. Assim como os bugios. 


Os indígenas são bichos exóticos que observamos, estudamos e podemos assim descobrir que somos diferentes deles e não queremos ser como eles. 


Olhando para os bugios na Gruta dos Indios penso em quão triste é vê-los ali, presos em uma jaula, sendo observados por humanos idiotizados, sem direito de ir e vir, de se balançar nas árvores, de buscar seu próprio alimento. Como os indígenas que foram expulsos daquele local há quarenta anos e não podem a ele retornar nem para recordar o local onde enterraram seus umbigos. 


O parque que abriga a Gruta dos Indios tornou-se um lugar feio. Na gruta há iluminação artificial e um portão de ferro, para impedir que quem entre e assente moradia nela? Os brancos em busca de um lugar para fazer sexo e se drogar ou os indígenas em busca da antiga moradia? No pequeno açude há um pedalinho, vi também uma tartaruga boiando que me parecia morta ou adormecida. O teleférico é algo totalmente desnecessário em um local onde a caminhada na natureza deveria ser, por si só, algo agradável. 


Fiz um grande exercício de imaginação para pensar nas crianças indígenas brincando entre as árvores, os adultos habitando a gruta sem deixar suas marcas através de riscos, sinais e desenhos. Que bom se tivessem feito, embora as paredes estejam repletas dos nomes dos brancos que por ali passaram. 


Naquela tarde em que estive dentro da gruta ouvi pessoas batendo na boca com as mãos, imitando gritos presumidamente indígenas, falando em jane, em chita, imaginando-se índios como aquele que viam na televisão, no seriado americano que mostrava o tarzã e a macaca. Riam, diziam "mim,indio". Resolvi que o melhor era me afastar dali, pensando na ignorância de nosso povo. Do quanto desconhecemos a história dessas pessoas e de nossa própria história. 







Se olharmos para dentro de nós, podemos descobrir que somos, sim, descendentes de indígenas e, quem sabe, descendentes daqueles mesmos bugios que estão lá, atrás das grades. Afinal, não há muita diferença entre nossa irracionalidade.





Comentários

Anônimo disse…
É triste e cruel a história da chamada civilização ocidental a cristã.
Ainda não aceita a teoria evolutiva, insiste no criacionismo, Adão, Eva, serpente e mil outras bobagens.
Quanto aos índios, basta recordar as primeiras impressões dos portugueses, quais sejam, não sabiam trabalhar, rezar, não eram cristãos, mas gentios e, como se não bastasse, andavam sem roupa alguma, a exibir as suas "vergonhas". Sempre me questiono, dentro do puritanismo da época, depois de 2 meses no mar, sem mulheres, será que realmente ficaram tão indignados com as índias nuas e cruas e as suas vergonhas?
Ou, antes muito pelo contrário???

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