Final de Verão


No Almanaque ZH do dia 24 de fevereiro de 2012, foi publicado um texto sobre a praia de Capão de antigamente, precisamente das primeiras décadas do século XX, quando havia poucas estradas. Um tempo em que não se podia ir e vir no mesmo dia, quando para comprar carne precisava esperar o boi ser abatido e que a carne ser exposta nas portas e janelas de um estabelecimento chamado Açougue Anno Bom. Retornando aos dias atuais, cerca de 80 mil veículos por hora passaram pela freeway rumo ao litoral no último final de semana, após o carnaval.


Desses 80 mil veículos, muitíssimos lotaram a praia de Capão da Canoa. Encontrar dois metros quadrados de areia livre para armar um guarda-sol e acomodar duas cadeiras envolveu um estudo de logística. Do alto do oitavo andar, da janela ou da beira da praia, em Capão, via-se junto ao mar, muitas vezes “chocolate”, mas muitas vezes azul intenso, gente, muita gente; via-se um “mar de gente”. Nesses dias aconteceu, ali em frente à Iemanjá, a corrida rústica com mais de 2000 participantes e a 28ª edição da Cavalgada do Mar, que saiu de Palmares do Sul e foi até Torres. Esse dia, especialmente, consistiu em apresentar surpresas a quem estava ao sol quente e brisa morna. Minutos antes de passarem os cavaleiros; homens, mulheres, crianças, sendo aplaudidos pelos veranistas, presenciou-se o afogamento de um jovem policial militar, de Santa Maria. Quem estava por ali, na guarita 80 de Capão da Canoa, sentiu o desespero dos salva vidas tentando retirar o jovem do mar e reanimá-lo, em vão. A ambulância chegou, levou-o e todos ficaram na expectativa de sabê-lo vivo.




Nem havíamos nos refeito do impacto desse momento triste, de pensar que uma mãe ficaria sem o filho, amigos, namorada, enfim, a cavalgada chegou a esse ponto da praia. Homens, mulheres, crianças, todos orgulhosos sobre belos animais resfolegantes e bem tratados, aplaudidos pelos veranistas ainda incrédulos. Isso nos fez pensar que a vida continuava. A areia, onde há poucos minutos um jovem estava prostrado, já quase sem vida, serviu de esteio para que tantas pessoas e animais desfilassem seu orgulho de ser gaúcho.


E assim, os dias de férias se sucedem em Capão. Festa para Iemanjá, oferendas, risos de crianças, sorvete, crepes, vendedores ambulantes com seus tecidos coloridos e incansáveis caminhadas, o traque-traque da casquinha, os jogos de bocha, o chimarrão no final da tarde, a escolha da Garota Verão, a Zero. Tudo isso faz parte do verão. Ao final, o retorno ao trabalho, à rotina, aos desafios do dia-a-dia, resta-nos a lembrança desses momentos ímpares e muitas vezes inesperados, a vida fluindo, a morte chegando de repente.


Certamente hoje são outros tempos, imensuravelmente diferentes do início do século XX; a freeway nos garante um viagem razoavelmente tranquila e rápida para a praia, não precisamos mais esperar o boi ser abatido, embora as filas sejam infindáveis no supermercado, mas o desejo e o prazer de estar na praia não mudaram, são os mesmos. E aguardamos todos os meses do ano pela chegada do verão e o à retorno à Capão da Canoa.

Comentários

Anônimo disse…
Enquanto isto, na cidade de São Paulo, milhares e milhares de paulistanos, esperam o verão, digo, algum feriadão para, aos milhares, literalmente, descer a serra e pegar uma praia.A humanidade, às vezes, se parece.
E a foto está muito boa. com jeito de alegria.

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