Um conto

Para se proteger, ele criou o seu próprio mundo. Construiu um castelo, ergueu paredes sólidas. Nas janelas colocou vidros que só se enxergava de dentro pra fora. As fechaduras das portas só abriam por dentro. Ali, no seu mundo, ele colocou uma mulher e uma filha. Elas não podiam sair e ninguém mais podia entrar. Um dia ele achou que havia um vazio entre o chão e o teto de seu castelo, e começou a preencher todos os espaços com seus sonhos. Quando terminou, percebeu que ele mesmo estava emparedado e fazia parte dos tijolos e ladrilhos do chão. Não havia mais o homem, apenas uma projeção do que ele queria ter sido. Do lado de fora, uma mulher o chamava, queria passear com ele de mãos dadas, queria amá-lo, mas ele nao podia mais sair, prisioneiro de si mesmo.

Comentários

Clau. disse…
Sensacional, espetacular, genial. Um conto-parábola-fábula-existencial-filosofal, digno de um Millôr.

Segundo Aristóteles, o homem seria um animal social e a vida, claro, atos sociais. Canta-se para que alguém ouça, escreve-se para que alguém leia e assim por diante. Ora, o nosso anti-herói constrói a proeza de suicidar-se de felicidade, de fazer o castelo do eu-sozinho, até perceber que existe vida fora do castelo, vida da qual ele - si próprio - excluiu-se.
Obra-prima!!!
Lyli disse…
Obrigada, Clau......de coração. Mais do que ler o que escrevo, tu compreende. Mesmo, de verdade, profundamente. E isso me emociona.

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