Um pequeno conto de terror ou apenas mais uma noite

Ela resistira em adormecer especialmente naquela noite de sábado. Sozinha no casarão, sabia que se adormecesse eles chegariam. Quando já estava cochilando sentada foi pra cama, deitou e ficou em vigília. De olhos fechados, continuava acordada. Poucos sons na madrugada, embora o ruído intermitente dentro de sua cabeça estivesse sempre ali. Ela sempre pensava que o "seu" ruído poderia ser comparado a um fio de linha espichado, sempre da mesma espessura e de um comprimento infinito. A freqüência era variável, quando ela pensava nele o volume aumentava consideravelmente. Agora, deitada, ela queria não pensar, não sentir, não sonhar, apagar. Ao longe um relógio cuco anunciava as horas. Ela contou as batidas, quatro. Era sempre as quatro que eles vinham chamá-la, mas nessa noite ela os surpreendera, decerto, pois ainda estava acordada. Sentiu que se aproximavam de todos os lados, pesavam sobre ela, puxavam o lençol que deslizava suavemente sobre seu corpo. Sentiu que sua pele se arrepiava, pressentindo um perigo incompreensível. Tentou acender a luz, mas não conseguia enxergar com clareza os vários interruptores, não sabia mais qual deles era o que ela precisava apenas tocar. Ouviu chamarem seu nome. Uma voz seca, clara. Abriu os olhos, acendeu a luz. Lá fora os silêncios da noite. Dentro de sua cabeça o barulho anunciou que eles continuavam ali, esperando apenas que ela adormecesse.

Comentários

Clau disse…
Efetuei um comentário, mas não coube. Extrapolei o número de caracteres permitido.
Lyli disse…
"Noites de Terror.



Antes e acima de tudo, gostaria de ressaltar a enorme responsabilidade de efetuar comentários (críticos ou elogiosos) sobre o trabalho de outrem. Sei que as palavras têm o dom de ofender e atingir não apenas o trabalho de um profissional, mas o ego de quem, conscientemente, efetuou um trabalho de arte (em qualquer área).



Veja, mesmo em contos seus, dei pisadas na bola, de início, só me redimindo após muitas releituras e análises menos apressadas.



E existem mil outros aspectos. Entre eles, o subjetivo. Muitas vezes o autor escreve algo, algo este que ele tem plena consciência do que significa. E o leitor não pega o aspecto do autor e lê de outra forma.



E as inevitáveis idiossincrasias (a favor ou contra). Críticos dos mais ilustres consideram Saramago um gênio. E outros, não menos ilustres, consideram-no um chato insuportável, outorgando-lhe o apelido de Salamargo. A maioria considera Jobim um gênio. José Ramos Tinhorão assevera que pode até ser bom, apesar de inúmeros plágios, mas que de forma alguma pode ser catalogado como música popular brasileira. Millôr, para quem leu e conheceu é uma espécie de primus inter pares. No entanto, várias professoras e educadoras, autoras de livros de redação e gramática, não sabem nada sobre Millôr Fernandes e nunca leram nada, mas nada mesmo, do referido autor (é fato concreto e sei do que falo).


Lyli disse…
Todo este prólogo para dizer que somente agora consegui captar o significado do pequeno conto de terror (e a partir da recordação de meus sonhos de terror). Em determinada época da adolescência, tirava a chamada sesta após o almoço e invariavelmente era perseguido por um pesadelo, sempre o mesmo: eu sonhava que estava dormindo, sabia que estava dormindo, mas de forma alguma conseguia acordar e, pior, não conseguia falar e muito menos movimentar qualquer parte do corpo, ou seja, braços, pernas, tudo enrijecido, os olhos não abriam e, ainda, sabia perfeitamente que em determinado momento iria acordar, mas era desesperador não poder determinar este momento e ter que ficar naquele maldito e insuportável torpor.



Basicamente, o conto tem estes elementos. A protagonista sabe que eles virão, sempre virão e, ainda, sempre às 4 horas. Sua angústia e desespero tornam-se reais (apesar das visões parecerem psíquicas). Até que, em determinada noite, tenta enfrentar seus algozes e mudar as terríficas noites, com um estratagema bastante simples, qual seja, ficar acordada, enfrentá-los, desafiá-los. O plano tem certo êxito, mas ela percebe que eles estão lá, ouve claramente seu nome na hora do costume, sente seu lençol puxado deslizando sobre seu corpo, tenta acender as luzes, não encontra o interruptor e mesmo quando consegue (acender as luzes), nada vê e nada acha, sentindo apenas que eles continuam ali, como sempre, apenas aguardando que ela adormeça, fato, ao que parece, inexorável.



Seriam os famosos fantasmas de que fala Sartre? Fantasmas nossos? Ou os fantasmas são sempre os outros? O sonho terrível, pode ter sido utilizado como alegoria, representando os terríveis fantasmas que todos têm ou podem ter, não obrigatoriamente em sonho e não obrigatoriamente à noite, mas muitas vezes diuturnamente, durante anos ou de boa parte da vida (sei que a autora entende o que quero dizer).



Levando este terror interno a um ponto extremo, talvez possamos começar a entender a lógica terrível (e horrível) dos suicidas. Não conseguem continuar vivendo com a convivência de todos os seus fantasmas (ou dos outros), reais ou imaginários ou mesmo imaginários que vão se tornando reais à medida que se repetem e perseguem a sua vítima.



Tudo isto pode parecer loucura, mas tem um episódio verídico: Nelson Cavaquinho tinha horror à morte, Mas, em dia no qual bebeu demais (um dia normal, pois), seu companheiro de copo declarou-se vidente (ou coisa que o valha) e garantiu com toda a certeza e convicção, de que Nelson tinha a sua hora chegada e que seria às 3 da madurgada. Ele ficou apavorado, foi para casa, deitou-se e ouviu o relógio soar 12 badaladas. Não conseguia dormir, mas quando ouviu a batida da uma hora, não teve dúvida. Apavorado, morrendo de medo e totalmente bêbado, levantou-se e colocou os ponteiros de novo na meia noite. O relógio teimava em correr e quando chegou às 2 horas, Nelson atrasou-o para 1 hora. E assim até que o sono e a bebida colocassem-no a nocaute, dormindo profundamente até o dia seguinte, acordando vivinho da silva, são e salvo.



Enfim, no creo in brujas, pero que las hay, hay..."


Lyli disse…
Comentários do Clau!

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